Só sei que corri, corri de um inferno que jamais poderei
escapar. Sendo a mente humana a maior câmara de tortura do mundo, como imaginei que uma
simples bala de chumbo poderia me livrar dela?
Quando
me disseram, ainda criança, que Deus condena os suicidas, eu desconsiderei.
Hoje, tantos anos depois, eu percebo como fui tosca.
Abri os
olhos e tentei me levantar, apenas para me deparar com a dura verdade de que
não poderia, jamais, me mover novamente. Senti o ar quente, denso e pesado,
entrar nos meus pulmões, a escuridão envolveu meus olhos e aos poucos o
acostumou com a falta de luz. Conforme o ar ia chegando ao fim e a sensação de
claustrofobia ia aumentando, percebi que, talvez, estivesse no real inferno.
Movi
meus lábios e gritei, ocupei cada espaço vazio com o som da minha voz e, mesmo
que raros, os vácuos do tumulo ecoaram com meu desespero. Eu chorava sem
lágrimas. Não poderia morrer novamente, pois já me encontrava toda morta, presa
numa caixa de concreto e na minha própria cabeça e corpo.
Não
havia lugar para cometer suicídio, não havia canto para meus ouvidos e para meus
braços debaterem. Não tinha nenhum ponto que eu pudesse bater minha cabeça e
abrir meu crânio mais uma vez, não, eu não podia sequer me mexer, quem diria...
Tentando morrer novamente? Só sei
que conforme minha consciência ia diminuindo eu orei, orei para todos os santos
que lembrava. Orei para Deus e para o mundo. Orei até para o demônio. Quando,
enfim, desmaiei. Acordei.
Levantei
de repente na minha cama, olhei ao redor e, então, me senti mais viva que
nunca. Enquanto eu me lembrava de que estava na minha casa e não
enterrada, recordava também que a vida valia a pena, pois se aquilo era uma
breve demonstração do inferno, nenhum sofrimento terreno chegaria aos pés.
Só sei
que foi no aconchego de um sonho ruim, nos braços do meu pior pesadelo, que
pude mais uma vez contemplar o valor da vida.